ANTI-DEMOS-CRACIA
ADC109JUL2023

Edição limitada a 80 exemplares em CD-Digisleeve + Booklet

Design: Carlos Paes
Texto: Paulo Coimbra Martins

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Poder-se-á traçar, às explorações pioneiras de Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça, um certo tipo de movimentação, por parte classes mais educadas e eruditas, na busca das raízes e heranças musicais de cariz popular, rural e tradicional subsistentes no território nacional. Indo muito para além dos vistosos e monolíticos ranchos folclóricos, revelaram e preservaram um universo que, entre as elites urbanas, era tido como forma menor de expressão, especialmente quando comparado com a Música Clássica ou Erudita. Ora, aquando da sua aparição fulgurante, o Rock irá partilhar dessa mesma bastardização e desprezo, embora lhe fosse atribuído um carácter efémero e de não perenidade, de desvinculação e corte com as práticas ancestrais. No entanto, e ainda durante os anos 60, nele se encontrarão casamentos tidos como improváveis, quando não sacrílegos, e que unirão essa nova forma de expressão às vetustas e arreigadas manifestações das gentes rurais. Resultam dessa década as apropriações, em variadas e diferentes formas, levadas a cabo pelos Tártaros, Quarteto 1111 ou Filarmónica Fraude, por exemplo, enquanto, num outro quadrante, baladeiros como José Afonso ou José Mário Branco experimentavam a tradição com um carácter mais interventivo e menos eléctrico. Após a queda do regime ditatorial, e a associação das formas Pop/Rock com as classes ditas burguesas (por parte de uma certa e auto-proclamada intelligentsia), a música popular sofrerá uma politização exacerbada, enquadrada num contexto de luta de classes. Nessa mesma altura, contudo, o emergir da Banda do Casaco (em descendência directa da Filarmónica Fraude) irá demonstrar que outros caminhos havia a experimentar, e que novas formas de convergências estilísticas eram possíveis. Não é, por tanto, descabido e descontextualizado o aparecimento da Sétima Legião durante o ano de '82. A mescla de sabores modernos, actuais e até mesmo vanguardistas, com os temperos da tradição, da permanência e da recolha histórico-etnográfica, esses sim, é que tinham um carácter único, pese embora os 1111 terem, também eles, utilizado a História nacional como fonte de inspiração. Esta fusão da vivência urbana e sociedade erigida na Revolução Industrial, com as raízes de um Portugal profundamente rural e arreigado aos seus costumes milenares, encontrou eco em outros dois projectos contemporâneos: os Heróis do Mar e António Variações. A edição do 7'' "Glória" e, sobretudo, de "A Um Deus Desconhecido" (1983 e 1984, respectivamente), veio demonstrar, de forma inequívoca, o valor da proposta deste novo projecto e cimentar a sua importância no devir da História da Música Portuguesa. Se, por um lado, os Heróis do Mar praticavam um certo tipo de propaganda de agitação das consciências, enquanto sustinham a marcha numa dança ao sabor de rítmos novos, e o génio de António Variações arquitectava o corpo em Nova Iorque e a alma em Braga, o espírito dos Sétima vivia entre o espectro de Manchester e os arrojos transmontanos. É, precisamente nessa sua recriação das estipes de cariz mais popular, na veia singular da sua sonoridade, que a sua discografia encontra formas de resistir, como nenhuma outra no panorama nacional, ao passar do tempo, e sempre com a fescura abençoada das alvoradas do Estio e a fecundidade das chuvas sob uma terra sequiosa, pese embora esta ser dispersa e escassa. Se provas alguma vez fossem necessárias de que não é a quantidade que arquitecta a qualidade, elas encontrariam aqui um dos seus mais acérrimos baluartes de defesa.
Pois que Deus assim o quis...

Paulo Coimbra Martins

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